As
dinâmicas urbanas e as desigualdades que constituem marca estrutural de nossas cidades, movimentos e conflitos sociais constituem linhas tradicionais de pesquisa do IPPUR/UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e, em particular, do ETTERN (Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza), aos quais estão vinculados o
Observatório dos Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro.
O Observatório dos Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro tem por objetivo registrar, sistematizar, classificar e prover informações sobre lutas urbanas, movimentos sociais e as múltiplas e diversas manifestações da conflituosidade na cidade do Rio de Janeiro, através de uma base de dados ‘geo-referenciada’ disponibilizada ‘on line’. Fonte de pesquisa para os estudiosos da cidade oferece igualmente subsídios para a formulação de políticas urbanas, tanto a agências governamentais quanto a outros atores urbanos relevantes - movimentos sociais, associações vicinais, organizações não governamentais de vários tipos.
O Observatório dá continuidade a projeto piloto que produziu o "Mapa dos Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro - 1993-2003", resultado de convênio firmado entre o IPPUR/UFRJ, através de seu Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN/IPPUR/UFRJ) e a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Se olhamos para a cidade, nos defrontamos com o fato de que, de um lado, como produto social, a cidade é estruturada, isto é, determinada, manifestando e coagulando em sua morfologia social as lógicas e dinâmicas estruturais. De outro lado, como arena e espaço de constituição e instituição do social, as relações que têm a cidade por arena e objeto são também estruturantes, construindo, desconstruindo e reconstruindo um ambiente e uma dinâmica que, a seu modo, vão reiterar e reforçar as dinâmicas que produzem e reproduzem a desigualdade.
É por ser espaço social simultaneamente estruturado e estruturante que a cidade ocupa lugar central na constituição das “agendas políticas reais” - que nem sempre, e entre nós, quase nunca, se refletem nas agendas das elites políticas e acadêmicas... a não ser quando explodem sob a forma de crise urbana e social que as manchetes de jornais anunciam e denunciam.
Mas é na conflitualidade quotidiana, e não apenas, nem principalmente, nas explosões e crises, que podem ser encontradas e lidas as dinâmicas sociais através das quais, se assim se pode dizer, nossas cidades falam. E elas falam múltiplas linguagens, mesmo porque, como desde os anos 20 ensinou a Sociologia Urbana de Chicago, densidade e heterogeneidade fazem a cidade.
É por esta razão que o estudo da conflituosidade urbana oferece rica chave para a leitura da realidade e dinâmica urbanas. A diversidade e multiplicidade da cidade aparecem, quase em estado virgem, nos conflitos, eles mesmos dispersos e múltiplos. Atores, objetos e objetivos de conflitos, temporalidades, formas, geografias, retóricas e simbologias oferecem um quadro complexo e diferenciado da cidade.
Como e onde se manifestam os conflitos? Que reivindicações, anseios e frustrações emergem? De que maneira a desigualdade sócio-espacial se expõe a partir de informações sistemáticas? Movimentos sociais organizados e manifestações de multidões, ações coletivas na justiça ou abaixo-assinados, inúmeras são as formas através das quais a cidade expõe sua desigualdade e, mais do que isso, elabora as formas de enfrentá-la.
O geo-referenciamento, por seu lado, oferece a possibilidade de projetar no mapa da cidade a diversidade conflitual, mostrando, por exemplo, como diferentes grupos e segmentos de classes atuam e lutam. Além de sua contribuição científica para a constituição de uma sociologia urbana da cidade do Rio de Janeiro, entendida neste caso como uma sociologia de seus conflitos urbanos, o Observatório dos Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro oferece subsídios para os formuladores de políticas urbanas. Ademais, ele oferecerá aos próprios agentes sociais, meio de divulgação de suas lutas e canal para a troca de experiências, contribuindo, desta forma para a democratização da informação sobre a cidade e estimulando a circulação desta informação entre os citadinos e entre estes e agências governamentais.
A conflituosidade também nos fala das violências urbanas e, em particular, da violência criminal e da violência policial. Estudo piloto realizado indica que cerca de 30% centro das manifestações coletivas entre 1993 e 2003 estiveram referidas à questão da segurança pública e, de modo mais genérico, à violência urbana – seja ela policial, seja ela estritamente criminal. Análises preliminares destes resultados informam igualmente quão distintas são, no tecido e no espaço urbano, as formas de manifestação “contra a violência” e “por segurança”, conforme os bairros e regiões da idade.
Entende-se aqui por conflito urbano todo e qualquer confronto ou litígio relativo à infraestrutura, serviços ou condições de vida urbanas, que envolva pelo menos dois atores coletivos e/ou institucionais (inclusive o Estado) e se manifeste no espaço público (vias públicas, meios de comunicação de massa, justiça, representações frente a órgãos públicos, etc). Os conflitos são classificados conforme as seguintes variáveis: objeto do conflito, formas assumidas pelo conflito, agentes envolvidos. As descrições abaixo oferecem uma visão de conjunto das tipologias adotadas para cada uma destas variáveis. Os conflitos também foram classificados segundo sua localização e data de ocorrência. A busca de informações pode ser realizada mediante qualquer uma das variáveis.
O Observatório dos Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro concentra, a partir de novembro de 2006, a coleta de informações nas seguintes fontes primárias: os três jornais de maior circulação na cidade do Rio de Janeiro (Extra, O Dia e O Globo) e o Jornal do Brasil (em seu formato eletrônico), um programa diário da rádio CBN, o telejornal RJTV da Rede Globo, primeira e segunda edições, o Diário da Câmara Municipal (DCM-RJ), os relatos de manifestações enviados pelos movimentos sociais, a cobertura de eventos pela própria equipe do Observatório e os Inquéritos e ações propostas ao Ministério Público estadual ou propostas pelo próprio MP, nas suas promotorias de meio ambiente e cidadania.
A opção por essas fontes implica o reconhecimento de seus limites e potencialidades. No caso do Ministério Público tem-se uma instituição que atua junto a questões referentes às administrações estaduais e municipais. Dentre os instrumentos de ação passíveis de serem utilizados pelo MP destaca-se o Inquérito Civil (IC), primeiro passo para a elaboração de uma Ação Civil Pública - ACP. A partir de uma denúncia feita por um grupo ou associação, por iniciativa dos promotores, o MP abre um IC para investigar as causas e os responsáveis por determinada situação de desrespeito aos direitos da sociedade. O encaminhamento do IC pode resultar numa proposta de ACP quando o MP propõe uma ação contra aqueles que causaram os danos.
Seu limite como fonte se relaciona aos atores que acionam o MP. Dificilmente se encontra ação de caráter popular, promovida por grupos mais pobres. Normalmente quem aciona o MP são moradores da zona sul e parte das zonas norte e oeste (Barra) da cidade. Grupos de pessoas de classe média que sentem que seu direito foi, de alguma forma, ferido. São atores que estão mais propensos a possuir o conhecimento prévio da existência do MP e de como acioná-lo.
A existência desses limites não invalida a escolha por essa fonte, na medida em que o MP atua como um canal, mesmo que ainda de forma seletiva, de expressão das demandas e direitos da sociedade. Além disso, pode atuar como uma espécie de advogado quando os direitos da sociedade não são respeitados ou garantidos. Tivemos recentemente autorização de pesquisa renovada no MP e o trabalho de atualização dos conflitos ali registrados se reiniciou.
Já o uso como fonte de pesquisa dos meios de comunicação de massa, e no caso específico do jornal impresso, sempre provocou discussão.
Existe todo um debate em torno dos limites dessa fonte, principalmente no que toca ao seu caráter extremamente seletivo. Parece haver um discurso direcionado para seu público consumidor, que não está situado nos setores mais populares da sociedade, e sim nos mais abastados. Apesar de se reconhecer esses limites, o uso do jornal impresso como fonte de pesquisa se justifica na medida em que ele informa, de modo sistemático, grande parte dos conflitos que se dão na cidade. Além disso, é sabido que, em muitos casos, os jornais se tornam uma possibilidade de divulgação e defesa das lutas dos próprios coletivos mobilizados, compondo parte das táticas desses coletivos para expressar suas demandas e reivindicações. Ou seja, muitas vezes, os atores envolvidos nos conflitos procuram dar publicidade à sua luta a partir do uso de contatos em jornais e com isso fortalecê-la.
A coleta e registro dos conflitos a partir das várias fontes em hipótese alguma expressa ou representa a totalidade dos conflitos que ocorreram no Rio de Janeiro no período estudado.
PROCEDIMENTOS DE PESQUISA:
Jornais:
A coleta nos jornais (Extra, O Globo, O Dia e Jornal do Brasil) ocorre nas bibliotecas Nacional e Estadual, tanto em microfilmes quanto nos exemplares originais. Com o avanço das publicações digitais dos jornais as pesquisas através da Rede Mundial de computadores se tornam a cada dia mais frequentes. Para fins desse projeto, contudo, é essencial que os pesquisadores tenham acesso ao jornal na íntegra, permitindo cobrir completamente as matérias e o exemplar.
Ministério Público:
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa notou-se a grande dificuldade de acesso às informações contidas no MP, o que impediu a cobertura do universo de processos que tramitaram no período 1993/2003. Foram selecionadas as promotorias do meio ambiente e cidadania. A primeira dificuldade foi quanto aos processos ainda em vistas pelos promotores. Como eram processos em uso, freqüentemente eles estavam listados como existentes no cadastro geral da promotoria, mas ao serem procurados nos arquivos não eram encontrados. Além desses, outros obstáculos foram:
a. Os processos considerados improcedentes eram arquivados;
b. Os processos que se desdobraram em Inquérito Civil – IC ou Ação Civil Pública ACP, quando “resolvidos”, também eram arquivados em locais pouco acessíveis.
c. Os processos podiam estar fora do MP por solicitação de advogados ou promotores, para “vistas”.
d. Os processos em conclusão ou andamento não podem ser consultados em razão do segredo de justiça.
Em conseqüência, a coleta ficou levemente prejudicada, no sentido de permitir um banco de dados mais detalhado dos conflitos urbanos na cidade do Rio de Janeiro tendo como fonte o MP. Tal lacuna poderá ser equacionada com a continuidade da pesquisa.
Por serem fontes com características distintas e informações diversas das contidas nos jornais, elas foram trabalhadas separadamente no banco de dados.
Rádio:
O programa da rádio CBN é gravado diariamente e em seguida se verifica a existência de algum evento conflituoso noticiado ao longo do programa Sydney Resende, escolhido em razão de sua grande audiência. No caso da rádio são raras as coberturas “ao vivo” de eventos conflituosos tendo, esta fonte, somado poucos eventos registrados até o momento.
RJTV:
São gravadas e posteriormente inseridas no banco de dados do Observatório as manifestações coletivas registradas nas duas edições diárias do RJTV da Rede Globo de televisão. A Audiência do programa foi o critério de escolha desta fonte dentre os outros programas televisivos que cobrem o cotidiano da cidade. Os eventos são registrados por escrito em razão dos direitos autorais do veículo.
Diário da Câmara Municipal (DCM):
Os DCM´s são pesquisados na biblioteca da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e são coletados eventos conflituosos que aparecem narrados nas falas dos vereadores no Expediente da casa legislativa. São ricos relatos em razão da discussão coletiva e informações que se complementam nos discursos de diferentes vereadores.
Equipe do Observatório:
São feitas algumas experiências de cobertura “ao vivo” de eventos pela própria equipe de pesquisa do Observatório. A experiência se revelou interessante em função da possibilidade de comparação entre o que é publicado ou transmitido pela imprensa convencional e o que se pode apurar diretamente nos eventos. Existe ainda a possibilidade de se fotografar e gravar entrevistas que estão a seu tempo sendo incorporadas ao Observatório. Quanto maior for a participação de movimentos e associações na informação ao Observatório de suas manifestações futuras, maior as possibilidades de crescimento desta fonte.
Movimentos:
Desde maio de 2007 associações de moradores, sindicatos e associações profissionais, movimentos sociais, organizações não-governamentais, cidadãos podem relatar à equipe do Observatório suas manifestações passadas. Acessando o link PARTICIPE, todos podem contribuir para o OBSERVATÓRIO, desde que relacionem testemunhas e deixem contato para que as informações sejam checadas por nossa equipe. Há ainda a possibilidade de anúncio de futuras manifestações que a equipe do Observatório participará entrevistando e fotografando.